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Filosofia de José Ortega y Gasset - Wikipédia, a enciclopédia livre

Filosofia de José Ortega y Gasset

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José Ortega y Gasset
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Índice

[editar] Influência

A influência de Ortega y Gasset foi grande, não só pela temática de sua obra, mas também por causa de seu estilo acessível ao grande público. Jaguaribe destaca que o filósofo foi um dialogador com sua circunstância, que não deixou-se extraviar “pelo abstrato formal ou pela ociosidade intemporal.” Decorreria desse fato que sua obra, mesmo os trabalhos mais sistemáticos, tivesse sempre o caráter de uma reflexão urgente, na qual o autor revela algo como se fossem anotações para um futuro desenvolvimento de suas “grandes intuições e sua visão de mundo”. Como político, Ortega y Gasset chegou a ser deputado. Porém, a radicalização da vida espanhola levou o filósofo às piores apreensões. Diz Jaguaribe: “Homem do logos, para quem a vida é liberdade e entendimento, considera que, a partir de certo grau de intolerância, o silêncio é a única resposta intelectual.”

Ainda segundo Jaguaribe, há uma certa falta de entendimento da obra orteguiana, que levou alguns críticos a subestimar a importância de sua contribuição, sem atentar para o fato de que, “para além de haver criado uma escola de pensamento, em que se situam os melhores filósofos espanhóis contemporâneos, Ortega y Gasset deixou uma influência duradoura, e de sentido universal, que se faz sentir em múltiplos ramos das disciplinas humanísticas.” Jaguaribe também explica o desconhecimento da obra desse autor, da seguinte forma: “o impacto intelectual das idéias é condicionado pelo status cultural de que gozam as pessoas e os meios de onde emergem tais idéias.” Ortega y Gasset não se transferiu para qualquer centro da cultura européia daquela época: “O desprestígio da Espanha, nas áreas da filosofia e da ciência, repercutiu negativamente sobre a imagem de Ortega. Com ele, passa-se o contrário do que ocorre com pensadores de países dotados de boa imagem cultural como a França, Inglaterra ou Alemanha, em que o crédito das respectivas culturas nacionais lhes aumenta a aceitação e a respeitabilidade. Com Ortega, ao revés, ele é que teve de tomar a seu cargo o soerguimento da imagem cultural de seu país. Pensador mais importante, a meu ver, que um Paul Ricoeur, um Gabriel Marcel ou um J. P. Sartre, para citar figuras de naipe e estatura próximas.”

Conforme outro comentador brasileiro, Pedro Calmón, no prefácio da edição brasileira de A Rebelião das Massas, publicada em 1962, Ortega y Gasset foi um herdeiro da angústia interpretativa de Miguel de Unamuno (1864-1931), impregnado da essência metafísica do pensamento novo da Espanha e, por isso, mesmo, “erigiu-se em porta-voz de uma inteligência quixotescamente armada para estudar o universo, senão, como no mito grego, para decifrá-lo, enfrentando o seu enigma com uma intrepidez desdenhosa – de cavaleiro andante da dignidade humanista”. Calmon também considerava este filósofo um “professor de inconformidade”, “escritor de uma escola da insubmissão”, “dos poucos que mergulharam tão fundamente no segredo e na psicologia das sociedades”, e, por tais características, um filósofo solitário e angustiado. Diz Calmón: “Ortega y Gasset sobe ao monte de sua solidão filosófica, e forrado de superioridade contemplativa (digamos nietzschiana, hispânico Zaratustra, limpo de ironia ou cinismo, mas vibrante de profecia) dardeja em torno o olhar assombrado.”

Esse mesmo “olhar assombrado” Ortega y Gasset apontou para uma infinidade de temas. No artigo “Sentido y Función de la Distincion entre minoria y masa en la filosofia social de Ortega y Gasset” (1976), Ignacio Sánchez Cámara traça, em poucas linhas, o essencial da proposta da filosofia orteguiana. Em primeiro lugar, diz Cámara, é sabido que, para Ortega y Gasset, o grande problema que a filosofia deve resolver é o da realidade radical. As outras realidades, secundárias, são objetos da ciência. Para a filosofia, trata-se de, à maneira de Descartes, procurar uma realidade evidente e imediata, na qual as demais (as realidades secundárias) se apóiem e tenham como raiz. No entanto, em Ortega y Gasset, essa realidade primeira, a realidade radical, não é o cogito, mas a vida humana, individual.

[editar] Busca de uma filosofia radical

Se pretende-se radical, o que a filosofia necessita fazer, primeiramente, é analisar esse dado, o ponto arquimédico em que poderá se apoiar para dar conta das demais realidades. O que Ortega y Gasset encontra como categoria fundamental dessa vida individual é a liberdade. Em primeiro lugar, a vida é liberdade, ou melhor: condenação à liberdade. O homem é forçado a ser livre, a escolher a cada instante o que vai ser, de onde se segue uma concepção de um homem que não é, mas “vai-sendo”. Cámara: “La vida no nos viene dada hecha sino que tenemos que hacerla; es drama, acontecer, quehacer. Eso, sí, es libertad en la necesidad. Consiste en tener que elegir necesariamente y en una circunstancia forzosa, inexorable. Y este atributo vital de la libertad es el origen de la dimensión moral de la vida humana. El hombre es, y en ello consiste su misma peculiaridad, un constante afán de perfeccionamiento. Por ello es un ser de tal condición que puede vivir bien o mal, mejor o peor, tratando de realizar un proyecto de vida egregio y no vulgar, auténticamente, realizando su vocación o inauténticamente, traicionando su proyecto vital.” Conforme o comentador, essa é, ainda, na opinião de Ortega y Gasset, a origem da inevitável desigualdade espiritual, intelectual, vital e moral entre os homens e que divide a humanidade em dois grupos: os de vida nobre (autênticos) e os de vida vulgar (massa), tema desta investigação.

O filosofar orteguiano conta com um estilo bastante peculiar. Não só com o conceito, mas contando também com a metáfora, o filósofo pretende chegar a searas talvez difíceis de serem alcançadas pela dureza da linguagem sistemática. A ágil figura de linguagem, quando acertadamente utilizada, daria, como acreditava Ortega y Gasset, um poder de iluminação de temas, nem sempre necessariamente filosóficos. Essa peculiar fé na metáfora - forma como Ortega y Gasset se expressa – e ao mesmo tempo a desconfiança em se falar para o público leitor de filosofia, estritamente, é assunto sobre o qual discorre no Prólogo para Franceses de A Rebelião das Massas: “Este livro – supondo que seja um livro – data... Começou a ser publicado num jornal madrilenho em 1926, e o assunto de que trata é demasiado humano para que pudesse escapar à ação do tempo. Há sobretudo épocas em que a realidade humana, sempre instável, se precipita em velocidade vertiginosa. Nossa época é dessa classe porque é de descidas e quedas. Daí que os fatos ultrapassaram o livro. Muito do que nele se enuncia foi logo um presente e já é um passado.(...) Conste, pois, que se trata simplesmente de uma série de artigos publicados num jornal madrilenho de grande circulação. Como quase tudo que escrevi, estas foram páginas escritas para uns quantos espanhóis que o destino colocou à minha frente. Não é sobremodo improvável que minhas palavras, mudando agora de destinatário, consigam dizer aos franceses o que elas pretendem exprimir.”

Expondo, como acima, uma concepção dinâmica de linguagem, afirma também que não pode esperar melhor sorte de seu texto, quando está convencido de que falar é uma operação muito mais ilusória do que se supõe. A linguagem é o meio de que nos servimos necessariamente para manifestar nossos pensamentos, porém, para além dessa crença, podem haver funestos resultados. Há ainda outro aspecto: certo otimismo de que a comunicação seja plenamente possível, otimismo que se espalha pelo público em geral. Afinal, como lembra o autor, ela mesma não nos assegura que mediante a linguagem possamos manifestar, com suficiente justeza, todos os nossos pensamentos.

“Não se arrisca a tanto, mas tampouco nos faz ver francamente a verdade estrita: que sendo ao homem impossível entender-se com seus semelhantes, estando condenado à radical solidão, esgota-se em esforços para chegar ao próximo. Desses esforços é a linguagem que consegue às vezes declarar com maior aproximação algumas das coisas que acontecem dentro de nós. Apenas. Mas, habitualmente, não usamos estas reservas. Ao contrário, quando o homem se põe a falar, isto faz porque crê que vai poder dizer tudo que pensa. Pois bem, isso é o ilusório. A linguagem não dá para tanto. Diz, mais ou menos, uma parte do que pensamos e põe uma barreira infranqueável à transfusão do resto. Serve bastantemente para enunciados e provas matemáticas; já ao falar de física começa a ser equívoco e insuficiente. Porém quanto mais a conversação se ocupa de temas mais importantes que esses, mais humanos, mais “reais”, tanto mais aumenta sua imprecisão, sua inépcia e seu confusionismo. Dóceis ao prejuízo inveterado de que falando nos entendemos, dizemos e ouvimos com tão boa fé que acabamos muitas vezes por não nos entendermos, muito mais do que se, mudos, procurássemos adivinhar-nos.”

[editar] Uso da metáfora

Ortega y Gasset trata a metáfora como “instrumento mental imprescindível”, como “uma forma de pensamento científico”. Para ele, a metáfora é um procedimento intelectual por cujo meio conseguimos apreender o que está além da nossa potência conceitual. A metáfora é um suplemento a nosso braço intelectivo, como uma vara de pescar ou um fuzil. Esse distinto tratamento é o que vai fazer com que Ortega y Gasset pense a metáfora como esse “suplemento intelectual” que o conceito necessita para abarcar melhor a realidade.

Neste sentido, o comentador Eduardo Senabre chama atenção que, para Ortega y Gasset, escrever bem consistia em fazer continuamente pequenas erosões na gramática, ao estabelecido, à norma vigente da língua. O que se chamaria um bom escritor, um escritor com estilo, seria aquele que saberia causar essas freqüentes erosões. Mas, salienta o comentador: “Lo cierto és que en la lengua orteguiana no existen tales erosiones si hay que entenderlas como infracciones de la norma; lo que hay, por el contrario, es un aprovechamiento fecundo de las riquíssimas posibilidades combinatorias del idioma, que produce con frecuencia creaciones insólitas por su audácia y por la capacidad inventiva que acusan, pero que no contituyen transgresiones del sistema.” O comentador lembra, ainda, que na vastidão das metáforas orteguianas (metáforas da selva, metáforas eróticas, metáforas marítimas, imagens taurinas, imagens bélicas, entre outras), se destacam as que Ortega y Gasset dedica ao lutador ou ao náufrago. O homem e sua vida, a realidade radical, segundo Senabre, “acaban por ser los referentes de la compleja red metafórica orteguiana”. É com toda essa preocupação com a expressão que se pode colocar Ortega y Gasset na tradição dos grandes retóricos na filosofia, mais do que entre os sistemáticos. Uma tradição na qual se encontram Erasmo de Rotterdam, Michel de Montaigne (1533-1592) e um sem-número de filósofos renascentistas, como o italiano Nicolau Maquiavel (1469 – 1527) e que mereceriam de Descartes, e outros, o insulto e o desprezo. Para o racionalista, a retórica é a corrupção da lógica; a falta de método, a perda do caminho das idéias claras e distintas, o que, para Ortega y Gasset, nunca pareceu tão claro nem tão distinto, mas um filosofar hermético e, no mínimo, descortês.

Junta-se, ainda, a dois outros grandes retóricos, aplicados, como ele, a defender o indefensável. Luciano (125-192), na antigüidade latina de forma satírica, defende as moscas em seu O Elogio da Mosca; Erasmo, à loucura no Elogio da Loucura. De uma certa forma, Ortega y Gasset pode ser colocado nesse mesmo grupo ao usar as regras do jogo retórico, literário, para defender idéias a princípio difíceis de se defender pelas vias mais normais, um tipo de filosofia que se comunica, que, paradoxalmente, também se abre para o debate com o senso comum, e freqüentemente banida do reino da filosofia por essa ousadia.

No caso específico, Ortega y Gasset fará, como um Nietzsche (1844-1900), ou um Zaratustra, o discurso contra uma longa tradição coletivista da mesma maneira que Erasmo, Luciano, Maquiavel e Nietzsche, os quase-hereges, ousados defensores, via quase-literatura, via metáfora, via retórica, o que eticamente parecia inviável, mas que esteticamente não cometia nenhum pecado.

[editar] Um sistema aberto

Para Ferrater Mora, a obra de Ortega y Gasset, devido à sua variedade e tamanho, causa estranheza a alguns leitores. Eles poderiam chegar à conclusão de que tantos e tão variados temas só poderiam ter sido tratados com frivolidade e superficialidade. A conclusão, na opinião de Ferrater Mora, é precipitada, pois quanto maior atenção prestamos aos fios de que é feita a tapeçaria orteguiana tanto mais fácil fica enxergar a harmonia do quadro desenhado. Por isso, o comentador se refere à filosofia de Ortega y Gasset como um “sistema aberto”.

Contra os que argumentam que esta forma de exposição e tratamento dos temas não seja propriamente filosófica, Ferrater Mora (1958) salienta que não obstante a diversidade dos assuntos tratados, apesar de sua complexidade e do grande número de alusões, a obra de Ortega y Gasset é fundamentalmente de índole filosófica, de modo que todos os seus elementos se acham organizados em torno de um núcleo de pressupostos legitimamente pertencentes à ordem da filosofia. Mas o autor adverte que o termo filosofia é, em nosso tempo, pelo menos tão ambíguo quanto o termo “sistema”: “Al describir la obra de um autor como ‘obra filosófica’ tenemos, pues, que comenzar com ser cautelosos y aclarar em la medida de lo posible el significado de um vocablo tan desesperantemente ambiguo como es el vocablo ‘filosofia’. La filosofia de Ortega es de clasificación especialmente difícil, porque nuestro filósofo ha sido uno de los poquísimos em la historia moderna que ha tenido clara conciencia del caráter problemático de la actividad filosófica.”

Por caráter problemático da atividade filosófica, pode-se pensar mais a atitude filosófica moderna, sistemática, do que a mais original, menos eleata. Por essas razões, Ferrater Mora afirma que um dos modos como a filosofia de Ortega y Gasset não pode ser apresentada sem graves dificuldades para entendê-la corretamente é a que consiste em expô-la na “pedante forma acadêmica usual”. E vai além, ao afirmar que em se tratando de Ortega y Gasset nenhum dos métodos conhecidos parece ser inteiramente satisfatório. “Si, por ejemplo, prestamos demasiada atención a la unidad del pensamiento de Ortega corremos el riesgo de perder el sabor de su variedad. Si, por el contrario, insistimos excessivamente em la diversidad de los temas pronto perdemos de vista la fuente de la cual todos ellos emanan.”

O modo de exposição dessa filosofia se aclara quando prestamos atenção nas próprias palavras de Ortega y Gasset, para quem o melhor método, quem sabe o único, capaz de dizer a realidade humana é o método narrativo. É uma afronta à história do pensamento sistemático e da exposição conceitual e que reabilita a metáfora como instrumento de trabalho da filosofia.

[editar] Razão vital

O livro O que é Filosofia? nasceu de um curso que Ortega y Gasset proferiu em Madri, em 1927. Um curso curioso, que o autor ministrou abertamente a um público formado por intelectuais e pessoas de todas as atividades, constituindo-se, segundo o comentador brasileiro Luiz Washington Vita, o acontecimento de incorporação definitiva da Espanha na cultura humana contemporânea. O público heterogêneo não se limitou aos ouvintes do curso, mas incluiu o imenso público leitor do jornal que resenhou as 11 lições e que se esgotavam no dia seguinte. Diz Vita: “Ortega insere a filosofia espanhola no contexto da filosofia Ocidental. Desta vez, porém, não a reboque, mas como nave capitânea ao verificar, antes do surto existencialista e no mesmo ano que Heidegger publicava seu famoso O ser e o tempo, que ‘viver é encontrar-se no mundo’ e que ‘viver é constantemente decidir o que seremos’. À pergunta que é filosofia? Ortega responde, com diáfana clareza, apresentando ao mesmo tempo novas idéias e novos princípios que significavam a superação do subjetivismo, idealismo e racionalismo em que estava submersa a filosofia, sem saída ao mundo e à vida que é preciso, antes de tudo, superar a perpétua e – como então parecia – insolúvel antítese entre realismo – e toda suas formas, materialismo, positivismo, pragmatismo – e idealismo. Com isso, reabilita a filosofia que estava como que esmagada pelo ‘imperialismo da física e apavorada pelo terrorismo intelectual dos laboratórios.’”

Nessas lições, Ortega y Gasset afirma que só com esforço intelectual nos afastamos da costa comum e, por rotas desconhecidas, descobrimos lugares escondidos, sobre pensamentos insólitos. Numa espécie de navegação em círculos, realiza uma viagem que não abandona a voluptuosidade da viagem, pois que para Ortega y Gasset filosofar é uma aventura prazerosa: a sensação de estar prestes a chegar a um lugar onde ainda ninguém aportou. Neste texto, o filósofo vai se aproximando de seu tema primordial, em círculos concêntricos cujos raios vão se fechando, deslizando da exterioridade abstrata e indiferente para a concretude de um problema terrivelmente íntimo: minha vida. Do externo e aparentemente longínquo, as lições de O que é filosofia? vão tentando responder radicalmente o que é a filosofia, tomando a própria atividade filosófica e submetendo-a a uma análise profunda. Na primeira Lição, afirma que os temas fundamentais da história não são produto do coletivo, mas de indivíduos de exceção. Assim, surgiram e surgem entre os seres humanos, cientistas, artistas e filósofos, homens que se esforçam e, se tornando altamente capacitados, trazem a tona invenções e pontos de vista ainda não experimentados pela coletividade humana.

O segundo tema que aparece nessa lição diz respeito à própria idéia de humanidade. Para Ortega y Gasset, homem é tanto Kant quanto qualquer europeu e o habitante da Nova Guiné, o australiano ou o brasileiro e que conservam um ingrediente mínimo de comunidade entre esses pontos extremos da variação humana. Aí podemos falar entre todos e coloca-se o pressuposto mínimo de que o sujeito que fala possa ser entendido. Se não em tudo, pelo menos em alguma parte há comunicação entre uma cultura e outra: a história. “O pressuposto profundo da história é, pois, precisamente o contrário de um fundamental relativismo”, afirma.

Mas como passamos por um período menos favorável à filosofia, de 1840 a 1900, em que as descobertas científicas e a idéia de progresso, movidas pela técnica, se assentaram, firmou-se junto um olhar científico que relativizou o mundo, desconectando partes que, vistas por fora, parecem, de fato, desconjuntas. Dentro mantêm liames que é preciso descobrir. O relativismo, ou seja, a idéia de que os diversos olhares estão certos, se opõe ao perspectivismo orteguiano, ou o relativismo que diz que todos os olhares são falhos. Só o conjunto é a verdade. O todo da humanidade é a verdade sobre a humanidade e não suas variedades. Isso que permanece como um mínimo de identidade entre todos os aspectos humanos é a humanidade, é o lastro a partir do qual se pode pensar em um sistema de valores objetivos, para além das diferenças. O desafio do filósofo é ultrapassar as aparências e as perspectivas da ciência, não negando-se a estabelecer uma hipótese de conjunto, por mais cara que essa hipótese saia.

Mas o século XIX marcou também o imperialismo da física e trouxe o domínio do utilitário sobre o inútil e o supérfluo. A filosofia decaiu, então, por não ser tão útil, aparentemente, quanto a técnica. Desde o século XVI, começa uma disciplina intelectual, a nuova scienza, de Galileu, que, por um lado, tem o vigor dedutivo da matemática e, por outro, fala de objetos reais. Era um conhecimento que passava a nos ajudar a produzir coisas reais com mais precisão, instrumentos que faziam ver longe, trazer para perto, correr etc. Com todo este conforto, o homem passou a voltar as costas à inútil filosofia, fato que teve seu auge no século XIX. Junto com esse progresso da técnica, surge um tipo de homem, voltado para o conforto e envolto em conforto, muito mais que todos os seus antepassados: o burguês.

“Na Grécia, esta fertilidade utilitária não teria atingido influência decisiva sobre os ânimos, mas na Europa coincidiu com o predomínio de um tipo de homem – o chamado burguês – que não sentia vocação contemplativa teórica, mas prática. O burguês quer alojar-se comodamente no mundo e para isso intervir nele modificando-o a seu prazer. Por isso a burguesia se orgulha, antes de tudo, pelo triunfo do industrialismo e, em geral, das técnicas úteis à vida, como são a medicina, a economia, a administração. A física adquiriu um prestígio porque dela emanava a máquina e o remédio. As massas médias se interessavam nela não por curiosidade intelectual, mas por interesse material.”

A filosofia se confina, a partir de então, numa mera teoria do conhecimento, muito por culpa de um filósofo do espírito burguês da segurança: Immanuel Kant (1724-1804). Para Ortega y Gasset, Kant desiste de se aventurar e arrasta consigo, para o chão, o espírito da filosofia. Mas o curioso é que, quando a filosofia exagerava seu culto à física, a própria física concluía dela própria que era um conhecimento simbólico, tal como em Henri Poincaré (1854-1912) e Albert Einstein (1879-1955), entre muitos outros. “Este passo seguro, tranqüilo e burguês jamais terá a filosofia, que é puro heroísmo teorético”, diz Ortega y Gasset.

A ciência (segurança burguesa) traz segurança ao espírito não-filosófico, mas é de frágil construção. Depende do experimento, o que significa, depende da manipulação, feita por humanos. Ela não é natureza, simplesmente e de acordo com ela, mas apenas sua reação diante de determinada intervenção humana. Assim, o que chamamos realidade física passa a ser algo dependente de nossas ações e não independente, fora de nós. Pois se trata do contrário do que pretendeu a filosofia: buscar “como realidade o que é independente de nossas ações, o que não depende delas; ou melhor, estas dependem daquela realidade plenária”41. Foi por abstenção que passamos a não olhar mais para esse incômodo mundo que independe de nós. Viramos, com Kant, as costas em busca de um conhecimento seguro, bem ao estilo burguês.

Filosofia, para Ortega y Gasset, é exatamente o contrário dessa posição. É afã de descobrir, é impulso à insegurança, ao desconhecido, um aventureiro em busca das razões. Mas não é apenas um Quixote, afinal, com elementos que a própria história da física mostra, o espírito crítico pode superar a idolatria do experimento e reincluir o conhecimento físico em uma órbita mais modesta. Assim, a mente fica novamente livre para fazer filosofia. Por que isso? Porque ao homem acontece, em absoluto, fazer filosofia e, diferente de qualquer cientista, o filósofo é o que não se contenta com a parte, o fragmento, mas o que se atira ao desconhecido como tal.

“O mais ou menos conhecido é partícula, porção, lasca do universo. O filósofo se situa diante de seu objeto de maneira diversa de qualquer outro conhecedor; o filósofo ignora qual é seu objeto e dele sabe apenas: primeiro, que não é nenhum dos demais objetos; segundo, que é um objeto integral, que é um autêntico todo, o que não deixa nada fora e, por isso, o único que se basta. Mas precisamente, nenhum dos objetos conhecidos ou suspeitados possui esta condição. Por isso, o universo é o que fundamentalmente não sabemos, o que absolutamente ignoramos em seu conteúdo positivo.” Por causa de seu problema, o universo, o filósofo se obriga a tomar posição teorética para defrontar-se com ele. Essa é a diferença entre a filosofia e as ciências (ou mesmo entre a filosofia e a filosofia contemporânea): “quando estas encontram um problema para elas insolúvel simplesmente deixam de tratá-lo”. A isso Ortega y Gasset chama de renúncia, atitude descortês que não combina com um filósofo. Filosofar, para Ortega y Gasset, é não fechar os ouvidos às últimas, às mais dramáticas perguntas: de onde vem o mundo, para onde vai? Qual é o sentido essencial da vida? Que é a potência do cosmos? Podemos, no entanto, voltar as costas a essas perguntas, no que o filósofo retruca: “a quem jamais lhe separou da fome saber que não poderá comer?”. O filósofo tem, necessariamente, fome e se difere dos demais espíritos por isso.

[editar] Filosofia como busca de conhecimento plenário

“Filosofia é conhecimento do universo ou de tudo quanto há, mas ao partir não sabemos que é o que há, nem se o que há forma Universo ou Multiverso, nem se Universo ou Multiverso será cognoscível. A empresa, pois, parece louca. Por que tentá-la? Não seria mais prudente excusá-la – dedicar-se tão apenas a viver e prescindir de filosofar? Para o velho herói romano, pelo contrário, era necessário navegar e não era necessário viver. Sempre se dividirão os homens nestas duas espécies, das quais formam a melhor aqueles para os quais, precisamente, o supérfluo é o necessário.”

Mas podemos não nos preocupar e nos contentar com o necessário, deixando-nos flutuar à deriva como uma “bóia sem amarras, que vai e vem empurrada pelas correntes sociais”: viver simplesmente, como diz em A Rebelião da massas. “É isto o que faz o homem e a mulher medíocre, isto é, a imensa maioria das criaturas humanas. Para eles, viver é entregar-se ao unânime, deixar que os costumes, os preconceitos, os usos, os tópicos se instalem em seu interior, os façam viver a eles e tomem sobre si a tarefa de fazê-los viver. São ânimos fracos que ao sentir o peso, ao mesmo tempo doloroso e deleitoso, de sua própria vida, se sentem surpreendidos, e então se preocupam, precisamente, para tirar de seus ombros o próprio peso que eles são e atirá-lo sobre a coletividade; isto é, preocupam-se de despreocupar-se. Sob a aparente indiferença da despreocupação lateja sempre um secreto pavor de ter que resolver por si mesmo, originariamente, os atos, as ações, as emoções – um humilde afã de ser como os outros, de renunciar à responsabilidade diante do próprio destino, dissolvendo-o entre a multidão; é o ideal do eterno fraco”: fazer o que faz toda a gente é sua preocupação. E se queremos buscar uma imagem parente daquela do olho de Horus lembremos o rito das sepulturas egípcias, daquele povo que acreditava que no além a pessoa era submetida a um tribunal. Nesse tribunal se julgava sua vida e o primeiro e supremo ato de juízo consistia na pesagem de seu coração. Para evitar esta pesagem, para enganar a esses poderes de vida e de ultravida, o egípcio fazia que os coveiros substituíssem seu coração de carne por um escaravelho de bronze ou por um coração de pedra negra: queriam substituir sua vida. Isso precisamente é o que procura fazer o despreocupado: substituir-se a si mesmo. Disto se preocupa.” O homem-massa é como o antigo egípcio ao enganar a si próprio para flutuar livremente, à deriva. Vive sem ocupar-se ou se preocupa em não se ocupar com as coisas mais pesadas da vida. Em um certo sentido, a razão descolada da vida, abstrata, nos livra de perguntas fundamentais, perguntas que, no entanto, continuarão lá. Por isso, para o autêntico filosofar, é necessário que essa razão nasça da vida.

Ortega y Gasset se propõe a fazer uma revisão radical da filosofia, criticando-a em suas bases, ou seja, em sua noção de razão e de ser. Como ponto de partida para esta grande reforma, encontra o que considera a mais fundamental unidade a partir da qual fundamentar uma filosofia radical. A vida humana é, para Ortega y Gasset, a realidade básica, radical. De maneira que todas as demais realidades se dão dentro dela - desde o mundo físico, passando pelo psíquico e o mundo dos valores. Ora, se tudo o mais só pode existir dentro dessa realidade radical (inclusive Deus que, para existir, necessitaria existir dentro de uma “minha vida”), a razão só pode ser, também, algo que nasce dentro dela, nessa mais radical unidade da existência (a vida humana), a partir da qual Ortega y Gasset fundamenta sua filosofia, o Raciovitalismo.

Contra o racionalismo, mas buscando não cair no vitalismo puro e simples, Ortega y Gasset propõe uma razão que nasce da vida (e não uma vida que nasce da razão, tal como os racionalistas advogavam), afirmando esta como uma realidade mais radical que aquela. Base da racionalidade, a vida pessoal, no sentido concreto (o que significa individual), é a razão da própria razão. A razão, então, não é já definida como uma operação intelectual (razão físico-matemática), simplesmente, mas como a única possibilidade do homem. O que Ortega y Gasset diz é que o princípio cartesiano do “penso logo existo” pode ser a premissa de um longo raciocínio que desemboca na conclusão penso porque vivo.

Para Ortega y Gasset - nas palavras de Ferrater Mora (1958) - a razão vital é o fio condutor no labirinto da nossa busca pelo sistema do ser (nesse sentido, o homem-massa, traidor dessa razão, é, não apenas um produto e um produtor de uma sociedade massificada, mas um traidor metafísico, que desiste de fazer as perguntas fundamentais sobre si próprio, vivendo sob uma razão inautêntica, a físico-matemática).

Em um certo sentido, explica o comentador, pode-se dizer que a razão vital é um método empírico, afinal, a razão, nessa perspectiva, deve ser concebida como algo que funciona na existência humana. O pensamento não é algo que o homem possui, algo que esteja fora dele, e que, em virtude de tal possessão, o homem coloque em funcionamento. Não: o pensamento, em Ortega y Gasset, é algo que o homem faz funcionar com mais ou menos dificuldade porque o necessita, porque lhe é vital.

[editar] O Raciovitalismo

O Raciovitalismo é, pois, a proposta de filosofia orteguiana, uma filosofia que se pretende radical, alternativa a uma filosofia como conjunto mais ou menos arbitrário de pressupostos, fundamentados numa razão abstrata. Herdeiro de Wilhelm Dilthey (1833 - 1911), que pretendia fazer uma filosofia da filosofia, Ortega y Gasset, segundo Ferrater Mora, percebeu muito claramente que a filosofia é algo que devemos justificar, e justificar incessantemente. A razão vital é uma justificativa fundamental, embasamento e fundamentação para uma filosofia que é racional mas não abandona o vital, antes os une em uma única doutrina.

Se por um lado, a razão é vital ao ser humano, como indivíduo, por outro, é vital à humanidade na forma da razão histórica, também ela uma compreensão peculiar de uma razão que fundamenta o funcionamento da sociedade e a partir da qual se pode compreender a filosofia da sociedade em Ortega y Gasset, expressa em O Homem e a Gente e A Rebelião das Massas, entre outros, imprescindível, ainda, para a compreensão do conceito de homem-massa, em sua perspectiva mais circunstancial, sociológica, complementando a perspectiva metafísica, filosófica, expressa em O que é Filosofia? e Unas Leciones de Metafísica.

Ocorre que, desde a época de René Descartes (1596-1650), os filósofos modernos têm mostrado extrema propensão a fiarem-se quase que exclusivamente em verdades universais abstratas. Conforme essa concepção, o homem seria primeiramente um animal racional, cuja missão consiste em descobrir princípios racionais indubitáveis sobre os quais viver. Para Ortega y Gasset, não se trata disso: pensar é uma das coisas que o homem faz; a primeira é viver. E o próprio filósofo que filosofa abstratamente cai num erro que condena todo seu filosofar.

Contra os realistas, Ortega y Gasset diz que nossa vida é o ponto de partida inevitável para qualquer filosofia. Contra os idealistas, que tal vida se acha - queira ou não - completamente submersa no mundo. Ferrater Mora enumera uma série de frases de Ortega y Gasset sobre o assunto: “la vida es uma emigración perpetua del yo vital hacia el no-yo”, “vivir es dialogar con el contorno”, “vivir es tratar con el mundo y actuar en él”, “vivir és salir de sí mismo para habérselas con ‘lo outro’ y ello hasta tal punto que vivir es essencialmente convivir”. Por motivos como estes, afirma Ferrater Mora, a vida humana, para Ortega y Gasset, não é um acontecer subjetivo, mas a mais objetiva das realidades, ao se basear em seu princípio de um sujeito não como pura subjetividade, nem como pura circunstancialidade: o sujeito orteguiano é um eu-circunstância.

Nas Meditações do Quijote, de 1914, Ortega y Gasset afirma que circunstância é o constitutivo básico da vida, um conjunto de realidades nas quais o sujeito se situa e que condicionam suas posibilidades vitais. Ninguém pode existir fora das circunstâncias, fora do espaço ou do tempo. Ninguém que tenha nascido no século XX, por exemplo, pode viver o que acontece na Roma do século I.

[editar] O sujeito eu-circunstância

Circunstância, para Ortega y Gasset, é o que se acha ao redor do homem, constituindo sua vida. A circunstância é o mundo vital em que o sujeito se encontra imerso, incluindo o mundo físico e histórico (tal como a sociedade e a cultura). A circunstância começa pela próprio corpo e até mesmo o psiquismo já que, para Ortega y Gasset, esses são constitutivos do eu-circunstância. O eu-circunstância é uma homogênea mescla, inseparável entre uma instância de liberdade e responsabilidade, o eu, e o seu entorno, que começa já em sua raça, língua, condição social (e sua história). Trata-se de tudo o que está ao redor do homem desde que ele nasceu, desde que ele chegou ao mundo e encontrou essa espécie de entorno dado, não construído por ele, mas que lhe exige ser feito e refeito todo o dia, através do esforço.

Esforço porque essa circunstância é sustentação e obstáculo ao mesmo tempo e a cultura é ação natatória para não nos afogarmos no mar do absurdo. Vivemos com a circunstância, dentro dela, somos ela, e ela é essa nossa instância que nos sustenta e oprime, nosso tempo e nosso espaço. É condição e restrição. Estas são também as bases de uma filosofia da história em que o mundo é um dado em que nos encontramos, ou seja, o eu se encontra na vida com seu mundo, mas não antes ele e depois o mundo, se não que só existimos instalados na circunstância, no mundo (o espaço e o tempo vividos a partir da radicalidade da concepção “minha vida”).

Como já apontaram diversos autores, entre eles Ferrater Mora (2000), em seu Dicionário de Filosofia, para Ortega y Gasset não existe a separação idealista e realista entre sujeito e realidade. Nem o mundo, nem nós, somos realidades independentes. A filosofia de Ortega y Gasset ultrapassa a tese realista tradicional de que as coisas existem independentemente do sujeito. Tampouco o sujeito e o mundo vivem juntos (o sujeito vive com o mundo), mas um terceiro: o sujeito orteguiano é o sujeito e a circunstância juntos, coimplicados.

O homem é sua história, o homem é biografia, e não pode ser explicado apenas por seu aspecto biológico. Ou seja, a razão físico-matemática, que trata das coisas com propriedade, não pode dar conta do mundo da vida. Para Ortega y Gasset, o mundo não é nem a natureza nem o Cosmos, por si só (realismo), assim como não é mera projeção da mente (racionalismo). É uma circunstância, ou melhor, um sistema delas, que engloba o corpo, passando pelo psiquismo, ao universo, radicado na realidade maior: minha vida. Um deles não existindo, o eu-circunstância não existe, a vida como realidade radical se vai. Assim, o ser primário das coisas é seu ser em relação com a vida, seu ser vivido. O erro do pensamento tradicional é fazer uma abstração deste ser primário, considerando que as coisas possam existir por si próprias.

Espaço e tempos são constituídos por Ortega y Gasset da mesma forma, já que ambos são circunstância. Do ponto de vista da circunstância, a categoria temporal mais importante é a de passado e, mais ainda, a do presente, o agora. Tudo se refere ao presente, o vivido, lugar inescapável e onde decidimos nosso futuro. Daí a responsabilidade com o mundo, o espaço-tempo mediado pelo eu-circunstância, essa via de duas mãos sempre aberta. Mas para fazer o futuro, temos que contar com o passado, com a história coletiva em que vivemos. E esse viver, o que é? De onde vem?, pergunta Ortega y Gasset: “Como a llegado a ser sino esto? Y la respuesta es el descubrimiento de la trayectoria humana, de la série dialéctica de sus experiencias, que, repito, puede ser otra pero ha sido la que ha sido y que es preciso conocer porque ella es la realidad transcendente. El hombre enajenado de si mismo se encuentra consigo mismo como realidad, como historia. Y, por su vez primera, se ve obligado a ocuparse de su pasado no por curiosidad ni para encontrar ejemplos normativos, sino porque no tiene otra cosa. No se han hecho en serio las cosas sino quando de verdad han hecho falta.”

O homem precisa contar com o passado em seu agora, mesmo quando fala, quando escreve, quando come. Ele não tem outra coisa a não ser essa história, de onde brota tudo o que há nele, até mesmo o mapa metafísico de que se serve para orientar-se. O eu-circunstância orteguiano, ou o que ele chama de “minha vida”, é um eu que nasce dentro das circunstâncias, que é junto às circunstâncias, não implicado nela, mas coimplicado. O conceito de “coimplicação” é fundamental para compreender o sujeito orteguiano. Explicação e implicação referem-se a uma relação sujeito-objeto em que o sujeito está numa relação de dentro ou fora. Para Ortega y Gasset, sujeito e objetos estão coimplicados. Assim, a realidade radical é amálgama sujeito-circunstância na qual tudo o mais se dá, todas as outras realidades lhe são inescapavelmente radicadas. Inclusive Deus, que só seria, de fato, na medida em que fosse percebido e vivido nessa realidade radical “minha vida”. Fora dela, tudo são suposições e hipóteses, como a aparente dor de dente do outro. No entanto, Ortega y Gasset adverte que, por chamar a essa de realidade radical, não quer dizer que seja a única, nem a mais elevada, mas a mais radical, no sentido de que toda as outras precisam anunciar-se nesta.

“É pois esta realidade radical - a minha vida – tão pouco egoísta, tão nada solipsista, que é, por essência, a área ou cenário oferecido e aberto para que toda outra realidade nela se manifeste e celebre seu Pentecostes. Deus mesmo, para ser Deus diante de nós, tem de achar maneira para nos denunciar a sua existência e, por isso, fulmina no Sinai, põe-se a arder nas sarças à beira do caminho e açoita os vendilhões no átrio do templo e navega sobre Gólgotas de três hastes, como as fragatas. Daí, nenhum conhecimento de algo ser suficiente – isto é, suficientemente profundo, radical, se não começa por descobrir e precisar o lugar e o modo, dentro do orbe que é nossa vida, onde esse algo faz a sua aparição, assoma, brota e surge, em suma: existe.” Essa é a pedra de toque de uma teoria do conhecimento, de uma antropologia e uma filosofia política orteguianas. Tudo o que conhecemos surge nesta realidade radical, que é minha vida.

Para Ortega y Gasset, o que existe está ai. E, numa orientação que se distancia radicalmente do Existencialismo de sua época, chamará o existir de uma arbitrariedade terminológica. O homem não existe, o homem vive: “Uma arbitrariedade (...) vem querendo desde alguns anos empregar os vocábulos existir e existência com um sentido abstruso e incontrolável que é precisamente inverso daquele que, por si, a palavra milenária leva e diz. Alguns querem hoje designar o modo de ser do homem, mas o homem, que é sempre eu, - o eu que é cada um – é o único que não existe, mas vive, ou é vivendo. São precisamente todas as demais coisas, que não são o homem – eu – aquelas que existem, porque aparecem, surgem, saltam, me resistem, se afirmam dentro do âmbito que é a minha vida.”

O homem não existe, porque sua vida não lhe é dada pronta, como às coisas que existem. O homem é surpreendido tendo de ser, de maneira não premeditada, mas num agora e numa conjuntura de circunstâncias na qual tem que viver, que lhe dá suporte e lhe oferece resistências às quais necessita vencer: “a vida nos é disparada à queima-roupa”. E essa vida, que nos é dada, não nos é dada pronta, de maneira que cada um de nós temos de fazê-la para si. Como a vida nos é dada vazia, o homem precisa enchê-la e essa é sua principal ocupação, o que não acontece com as plantas e os animais, que simplesmente existem.

[editar] O mundo das idéias e das crenças

O homem, como eu-circunstância, vive numa circunstância que é sempre um conjunto de crenças, crenças que necessita para viver, e nas quais está. A estrutura de sua vida depende desse conjunto de crenças em que ele vive. Nessas crenças o homem está, crenças que constituem verdadeiramente seu estado. Ortega y Gasset chama de repertório de crenças à pluraridade de crenças em que um homem, um povo ou uma época está. Essas crenças não formam um sistema tal como uma filosofia, mas um grupo incongruente e até inconexo.

É tarefa do historiador, segundo Ortega y Gasset, descobrir que repertório de crenças havia em determinada época a ser estudada, já que elas funcionam como sistema numa articulação vital. Esta dará a vitalidade do mundo em que se vivia e de onde se pode compreender a razão histórica (mais adiante, no capítulo “O Insulto e o Disfarce na Origem da Filosofia”, no qual Ortega y Gasset mostra o subsolo, o solo e o adversário da filosofia nascente, com Parmênides e Heráclito, veremos uma aplicação de seu método como historiador da filosofia, indispensável para compreensão de filosofia, metafísica e do próprio conceito de homem-massa. O filósofo julgou ser a história uma circunstância vital da humanidade, fonte de saber sobre nosso presente e futuro). Para Ortega y Gasset, o sistema de crenças tem sempre uma hierarquia de valores, uma estrutura interna. As crenças constituem a substância de nossas vidas e estamos nelas enquanto seres viventes. Elas não são idéias que sustentamos, mas idéias que somos, por estarem profundamente arraigadas em nós. Acima delas (e não soltas) estão as idéias. Esses pensamentos são objeto de nosso discurso enquanto que os de nossa crença são - como explica Ferrater Mora - objetos de nossa suposição.

A tal ponto as crenças são importantes que chegam a ocupar o lugar da realidade; de maneira que se tem a realidade como um conjunto de crenças com algumas idéias (a oposição entre a tradição e as idéias filosóficas pode servir de exemplo). Por isso, diz Ortega y Gasset, podemos morrer por nossas idéias, porém é impossível fazer com elas o que fazemos com as crenças: viver delas. “El hecho de que, por el contrario, aparezcan en estructura y con jerarquía permite descubrir su orden secreto y, portanto, entender la vida propia y la ajena, la de hoy y la de otro tiempo. Así podemos decir ahora: el diagnóstico de una existencia humana – de un hombre, de un pueblo, de una época – tiene que comenzar filiado del sistema de sus convicciones, y para ello, antes que nada, fijando su creencia fundamental, la decisiva, la que porta y vivifica todas las demás. Ahora bien: para fijar el estado de las creencias en un cierto momento, no hay más método que el comparar este con otro u otros. Cuanto mayor sea el número de los términos de comparación, más preciso será el resultado – otra advertencia banal, cuyas consequencias de alto bordo emergerán súbitamente al cabo de esta meditación.” Além das crenças, numa época estão também as idéias. No século XVI, Descartes assegurava que no universo não existiam segredos que não pudessem ser desvendados pelos homens. Bastaria um método para que se compreendesse toda a verdade. O homem possuiria um poder mágico de colocar tudo em claro. Isso porque, no fundo, o mundo da realidade e do pensamento são o mesmo. Essa idéia, aos poucos vai se assentando, e o homem passa a viver a crença de que é possível compreender tudo ao seu redor, bastando-lhe, para tal, apenas método.

O mundo daquela época tem uma estrutura racional, a realidade tem uma estrutura racional que coincide com a mais pura forma do intelecto humano, a razão físico-matemática. Ortega y Gasset pergunta ao leitor o que seria da Europa se, àquela altura da história, os europeus não tivessem conquistado essa crença, uma crença que se assemelha à distinção dos teólogos medievais entre fé viva e fé morta. Até meados do século XV, conforme Ortega y Gasset, a fé em um Deus começa a se tornar cada vez mais cansada, e o homem precisa de uma nova crença: é quando surge a razão. O homem, que vivia aturdido, naquele momento, por um desfalecimento de seu sistema de crenças antigos, vai entrando nesta nova e clarividente fé. Ortega y Gasset define esse período como a inquietude parturiente de uma nova confiança fundada na razão físico-matemática, nova mediadora entre o homem e o mundo.

Em História como Sistema, Ortega y Gasset faz uma aplicação de seu método histórico, ao analisar as bases das crenças vividas desde a Idade Média, passando pelo momento de crise na fé em Deus que antecede o parto da racionalidade moderna. No entanto, a antiga fé segue, embora não tão viva quanto a anterior, por baixo do sistema de idéias que irá nascer, numa mescla entre idéias e crenças da época. Por um lado o homem tem idéias, por outro vive suas crenças.

Sua visão da história só é possível com um método novo para perscrutar o passado, um método que busque a razão vital do tempo vivido, por exemplo, no Renascimento, com o resto de crenças que ainda vinham da Idade Média e que só iriam desaparecer, talvez nem de todo, muito séculos mais tarde. Um pouco mais de seu método está expresso na seguinte passagem: “Las creencias constituyen el estrato basico, el más profundo de la arquitetura de nuestra vida. Vivimos de ellas y, por lo mismo, no solemos pensar en ellas. Pensamos en lo que nos es más o menos cuestión. Por eso decimos que tenemos estas o las otras ideas; pero las creencias más que tenermos, las somos.”

Há também uma tensão indivíduo-massa, decorrente desta questão. Apesar de o indivíduo também viver as crenças, ele tem idéias. Deste fato decorre uma série de questões. As massas impõem sua fé social ao indivíduo, quer ele queira ou não, que se cristaliza na forma de lei vigente. Assim como a vigência de uma lei, uma determinada crença coletiva não necessita que o indivíduo determinado acredite nela. O dogma social é uma crença que tem vigência. A partir da distinção entre idéias e crenças, Ortega y Gasset vai passar a dizer que a ciência (ou o espírito científico) se encontra em perigo. Isso porque, segundo o filósofo naquela primeira metade do século XX, a coletividade em geral havia perdido sua fé nessa mesma razão em que havia vivido desde Descartes. O fato é que a fé na razão e na força da ciência, transformou-se, no século XX, em uma fé morta, tal como aconteceu com a crença em Deus no final da Idade Média. Vivemos sob o brutal império das massas, diz Ortega y Gasset no início da Rebelião das Massas, em 1930, um pouco expressando o que pensa do que pode ter sido gerado por essa queda. E isso porque essa fé na razão foi morrendo por causa da falta de respostas a problemas que estejam fora do âmbito físico-matemático. Virou uma fé inerte, afinal, “resulta que sobre los grandes cambios humanos, la ciencia propiamente tal no tiene nada preciso que decir.”

Ortega y Gasset está argumentado contra a razão físico-matemática, ou melhor fundamentando as razões pelas quais o homem necessita passar a viver não mais essa razão morta, mas uma razão vital. A argumentação vai no sentido de convencer o leitor de que o sistema de idéias e crenças de nossa época está em crise precisamente porque necessita de uma nova revelação: a revelação da razão vital, faceta individual da razão histórica coletiva.

[editar] Razão narrativa

A razão tradicional não é capaz de contar a história do homem porque estanca a fluidez heraclitana do mundo na imobilidade impossível e problemática de Parmênides e Zenón. O eleatismo, segundo Ortega y Gasset, sempre imperou nas cabeças helênicas e tudo o que não era eleatismo foi só tentativa de oposição, destino grego que segue gravitando sobre nós, aprisionando-nos no círculo mágico da ontologia eleata. Para o pensador madrilenho: “En Hegel, el movimiento del espírito es pura ficción, porque es un movimiento interno al espíritu cuya consistencia es en su verdad fija, estática y preestabelecida.” A razão físico-matemática se mostra insuficiente, em suas duas formas - naturalismo e espiritualismo - para afrontar os radicais problemas humanos (apenas pode responder a perguntas parciais, como aquelas feitas pela Ciência), problemas que, para Ortega y Gasset, têm muito de suas soluções ou esboços que precisam ser lidos na História.

A partir de sua concepção do homem como um constitutivo eu-circunstância, ele pensa que ante o homem estão diversas possibilidades de ser, porém essas possibilidades dependem muito de um passado que necessita ser compreendido, deglutido inteiramente quando se quer sua superação. A história como sistema é o sistema de crenças e idéias existente desde sempre, detentora de uma racionalidade, não abstrata, mas vital, vinda do passado humano e que nos aponta o que podemos ser no futuro. A humanidade progride (ou supera suas contradições) quando olha para o futuro tendo às costas o que foi. E o que fomos atua sobre o que somos. O passado, para Ortega y Gasset, faz parte de nosso presente, do que somos na forma de ter sido. Nada há que não esteja no presente. Nem mesmo o passado, já que a vida como realidade é absoluta presença, voltada para o futuro - é ir-sendo. “Si hablamos de ser en el sentido tradicional, como ser ya lo que es, como ser fijo, estático, invariable y dado, tendremos que decir que lo único que el hombre tiene de ser, de “naturaleza”, es lo que ha sido. Mas, por lo mismo, si el hombre no tiene más ser eleático que lo do que ha sido, quiere decir que su auténtico ser, el que, en efecto es – y no solo “ha sido” -, es distinto del pasado, consiste formalmente en “ser lo que no ha sido”, en un ser no eleático.”

Por essas razões convém libertar o homem do tradicionnal conceito de ser, afinal, o homem não é, mas “va sendo”. Ou seja, não é possível compreender o homem com o conceito de ser tradicional, mas com o de “viver”. O ser é; o homem vive. Por isso, se faz necessária uma espécie de “razão narrativa” para tratar desse ser movente. O homem vai sendo e des-sendo coisas que já foi no passado, tanto individualmente como coletivamente. Por isso a importância de olhar para o passado e entender o que nos passa e antecipar o que pode acontecer se agirmos de um modo ou de outro, mas nunca de maneira rígida, estática, eleata, já que o homem é puro inventar constante a si próprio e é caminhada interminável: o homem é o “peregrino del ser”.

Ortega y Gasset problematiza a visão tradicional da história, objetivista e otimista em relação às possibilidades da razão tradicional de dizer o que realmente aconteceu e como aconteceu, remontando, a partir dos documentos históricos, as peças do quebra-cabeças revirado. De uma certa forma, o historiador moderno era como uma espécie de especialista em driblar a circunstância, de escavar um túnel, ou entrar em uma máquina do tempo conceitual para dizer o que realmente aconteceu no passado, ou dando as razões desse passado, arbitrariamente, como Hegel.

As aportações de Ortega y Gasset para a história vêm no mesmo sentido, mas ele quer ver, antes, a razão da história, ao invés de colocar razão nela. Porém não mais a partir da racionalidade moderna, mas de sua nova idéia de razão. É possível descobrir os véus do passado, mas com uma razão que não é mais veículo objetivo perfeito para este trabalho, asséptico e neutro como a ciência. A razão que temos é sempre circunstancial, sempre vital.

A filosofia de Ortega y Gasset prima pela urgência de obrigações realmente vitais para o homem. Daí toda sua aversão ao que é vitalmente supérfluo. O homem olha para o passado porque lhe é vital. Ortega y Gasset reclama a necessidade de se utilizar sua nova noção raciovitalista de razão para olhar para a história e acusa Hegel de um excesso de formalismo em seu olhar histórico. Conforme Ortega y Gasset, havia chegado, em sua época, também o tempo de uma nova razão histórica, que ultrapassasse a dicotomia razão-história, termos contrapostos desde a Grécia antiga. Até agora, diz, ninguém se ocupou de buscar a razão na história. Só o que ocorreu foi o contrário, como Hegel, que quis levar à história uma razão forasteira. “(Hegel) inyecta en la historia el formalismo de su lógica, o Buckle, la razón fisiológica y física. Mi propósito es estrictamente inverso. Se trata de encontrar en la historia misma su original y autócna razón. Por eso ha de entenderse en todo su rigor la expresión razón histórica. No una razón extra histórica que parece cumplirse en la historia, sino literalmente, lo que al hombre le ha pasado, constituyendo la sustantiva razón, la revelación de una realidad trascendente a las teorías del hombre y que es él mismo por debajo de sus teorías. Hasta ahora lo que habia de razón no era historico, lo que habia de historico no era racional.” Ortega y Gasset afirma que a razão histórica que propõe é rigoroso conceito, ratio, logos e que, ao opô-la à razão físico-matemática, não está, de maneira alguma, dando qualquer permissão teórica de irracionalismo. A diferença é que a razão físico-matemática serve para tratar de coisas e o homem não é uma coisa. Ao contrário do que possa parecer, a razão histórica, afirma Ortega y Gasset, é ainda mais racional que a física, “más rigurosa, más exigente que ésta.” O motivo é que a física renuncia a entender aquilo de que fala, fazendo de uma asséptica renúncia seu próprio método. A redução que a física faz dos fatos complexos aos simples os torna inteligíveis, mas não reais. A razão histórica orteguiana não aceita nada como mero fato, mas fluidifica todo o fato, quer ver como se faz o fato. Essa fluidificação é o movimento contrário do que a racionalidade físico-matemática pode fazer. Ortega y Gasset não crê que seja possível esclarecer os fenômenos humanos, reduzindo-os a fatos brutos. A causa principal de não se poder ver a natureza do homem é que o homem não tem natureza e, conseqüentemente, é preciso pensar no homem com categorias completamente distintas – categorias vitais. A razão histórica quer mostrar como os fatos vieram a ser fatos. O homem necessita de uma nova revelação, afirma Ortega y Gasset no início do capítulo X de História como Sistema. A razão físico-matemática foi, em sua época, essa revelação, já que a astronomia, antes de Kepler e Galileu, era apenas uma brincadeira com idéias, cujo máximo que conseguia era salvar as aparências. A razão histórica é, para Ortega y Gasset, parte da razão vital com a que superamos o fracasso da razão físico-matemática e nos permite entender o homem pela compreensão das crenças e esquemas de cada geração e cultura, o que cada um desses elementos utilizou a seu tempo e a seu modo, para enfrentar a realidade radical de sua vida.

Além disso, outra aportação importante do conceito de razão histórica é que a razão físico-matemática, afinal como toda a história da filosofia, é parte de uma concepção substancialista da realidade, um real estático, como uma coisa. Para Ortega y Gasset, a vida é exatamente o contrário: trata-se de drama, de movimento. É urgência, é pressa, e necessita saber a cada momento a que se ater. Por isso, “é preciso hacer de esta urgencia el método de la verdad.”: “Esta consistencia fija y dada de una vez para siempre es lo que solemos entender quando hablamos del ser de una cosa. Otro nombre para expresar lo mismo es la palabra naturaleza. Y la faena de la ciencia natural consiste en descubrir bajo las nubladas apariencias esa naturaleza o textura permanente. Cuando la razón naturalista se ocupa del hombre, busca, conseqüente consigo misma, poner al descubierto su naturaleza. Repara él que el hombre tiene cuerpo – que es una cosa – y se apresura a extender a él la física, y, como ese cuerpo es además un organismo, lo entrega a la biología. Nota asimismo que en el hombre, como en el animal, funciona cierto mecanismo incorporal o confusamente adscrito al cuerpo, el mecanismo psíquico, que es también una cosa, y encarga de su estudio a la psicología, que es una ciencia natural. Pero (...) Lo humano se escapa a la razón físico-matemática como el agua por una canastilla. Y aquí tienen ustedes el motivo por lo cual la fe en la razón se ha entrado en deplorable decadencia. El hombre no puede esperar más.”

Todos esses elementos compõem, para Ortega y Gasset, o fracasso da razão físico-matemática e abrem uma via para a razão vital e histórica. Fracasso que condena qualquer olhar para a história que não leve em conta essa sua crítica. Para falar do homem temos que respeitar inclusive a forma narrativa como a vida se dá. Quando vamos falar sobre coisas humanas, diz Ortega y Gasset, tudo o que podemos fazer é sempre contar uma história. Em se tratando de história, a dicotomia vida-razão é a própria dicotomia existente entre razão e história, separadas desde o mundo grego, e que a modernidade tentou unir sob o império arbitrário da razão. Ortega y Gasset quer superar esse problema fazendo com que, assim como a razão vital nasce da vida, a razão histórica nasça da história. Analisa a razão físico-matemática colocada tradicionalmente a serviço da interpretação histórica e a considera reducionista. Para essa razão, o que importa são os fatos; para Ortega y Gasset, é necessário saber como um fato chega a ser o que é, ou o que ele parece ser, já que vivemos a intransponibilidade da circunstância em que o eu-circunstância obrigatoriamente se constitui.

[editar] A estrutura do mundo

Ortega y Gasset, em O Homem e a Gente, delimita o que pensa por espaço e também por tempo. Isso porque em sua filosofia o homem está em constante movimento e modificação, de maneira que se torna impossível parar essas transformações a não ser com a morte. Só a morte impede uma nova mudança e, nesse sentido, trata-se de uma espécie de libertação e de eternidade. A eternidade é a falta de movimento. Mas, enquanto seres vivos, vê-se fluir em vivências. A sucessão dessas é o tempo, tempo em sua dimensão vital.

Desde que nasce, o homem, como todas as coisas, apenas envelhece. E envelhece junto com outros, que sãos seus contemporâneos e coetâneos. E é além desse mundo de coetâneos que há outros homens, num horizonte que nos contorna. O esforço de trazer esses outros para o presente vivido é o que Ortega y Gasset chama de História. Conforme diz em Origem e Epílogo da Filosofia, o homem é o único ente que está feito de passado, que “consiste de passado”, embora esteja ainda voltado, como projeto, para o futuro, um futuro sempre problemático e inseguro.

O homem é, no mínimo, antes de tudo alguém que está em um corpo, seu corpo, sua circunstância primeira, irremediável fato que decide a estrutura concreta do mundo. Irremediável porque, “o homem se acha, para toda a vida, recluso no seu corpo”62 (razão pela qual tem que levá-lo em conta em tudo o que faz, vive, pensa etc). Numa de suas fecundas expressões, afirma que o homem vive infuso, recluso em seu corpo, o que faz dele, inexoravelmente um personagem espacial, pondo-o, sempre, em um lugar e excluindo-o dos demais, o que o condena a sempre estar “aqui”. Segundo Ortega y Gasset, este fato traz algo absolutamente decisivo para a estrutura do mundo: o mundo é, para mim, sempre um aqui. Por essa razão, todas as coisas necessitam manifestar-se por meio de corpos para serem. Inclusive, como diz, um personagem homérico só nos chega por meio de algum corpo: um livro, um filme, alguém que me conta. Como o mundo se estrutura de maneira em que há sempre um aqui ou um lá, colocamos também hierarquicamente o mundo em lugares abaixo ou acima, como por exemplo o “Pai nosso que estás no céu”, ou o pecador no fundo do Hades, no inferno, o inferior, o lugar mais baixo. O homem vive inevitavelmente em um mundo regionalizado em que ele e todas as coisas estão em algum lugar. Daí que, para Ortega y Gasset, os conceitos também sejam determinados por um conteúdo concreto, um lugar onde está aquele que está pensando, não determinado pelo lugar em que pensa, mas tendo que contar com essa circunstância, a favor ou contra, de algum modo presente, já que todas as coisas consistem em servirem-nos para ou nos impedir de: “todo o conceito é a descrição de uma cena vital.”

As coisas formam, no mundo de Ortega y Gasset, “campos pragmáticos, enquanto serviços positivos ou negativos, formando uma “arquitetura da serviçalidade”, tais como a guerra, a caça e a festa. Ortega y Gasset define assim sua última lei estrutural do mundo: o homem vive em um âmbito ocupado por campos de assunto, tudo o que nos aparece está em um campo: “Nosso mundo está organizado em campos ‘pragmáticos’. Cada coisa pertence a algum ou alguns desses campos, em que articula o seu ser para com os outros e assim sucessivamente. (...) Nossa relação prática ou pragmática com as coisas, e destas conosco, mesmo sendo corpórea, ao cabo não é material, mas dinâmica. Em nosso mundo vital, não há nada material: meu corpo não é uma matéria, nem o são as coisas que se chocam como ele. Aqueles e estas - diríamos para simplificar- são puro choque e, portanto, puro dinamismo.” Todo este mundo oferece para nós uma espécie de versão da natureza para o homem, lugar onde aparece o outro, do qual temos apenas a aparição de um corpo, nada mais. Trata-se, sempre de um corpo com sua forma peculiar, que se move, que maneja coisas. O corpo do outro é, ainda, um sinalizador, que nos envia sempre os mais variados sinais. É na presença desse outro que tentamos sair da nossa solidão, conforme Ortega y Gasset, querendo dar nossa vida e receber a sua, no que o filósofo chama de vida interindividual, nós – tu – eu.

Começa que o corpo do outro aparece para mim como realidade, porém que no outro corpo habite um quase-eu é apenas uma interpretação minha dessa realidade de segundo grau. O problema, numa sociedade, segundo Ortega y Gasset, é que normalmente vivemos essas presunções de realidade, essas realidades de segundo grau que são os outros, como se fossem realidades radicais. Ocorre que entre eu e os outros existe a vivência de interpretações da realidade inventada pelo meu contorno social e o acúmulo da tradição humana, coisas que não são apenas presuntivas como são ilusórias, que ouvimos nomear, definir e justificar pelos outros sem que tivéssemos parado em nossa solidão a pensar por nós mesmos essa realidade. Damos por autênticas e verdadeiras realidades que não passam pela nossa reflexão.

“Na solidão o homem é a sua verdade – na sociedade tende a ser sua mera convencionalidade ou falsificação. Na realidade autêntica do viver humano, está incluído o dever da freqüente retirada para o fundo solitário de si mesmo. Essa retirada (...) é o que se chama, com um nome amaneirado, ridículo e confusionista, filosofia. A filosofia é retirada, anábasis, acerto de contas consigo mesmo, na pavorosa nudez de si mesmo, diante de si mesmo.” Descoberto, desnudar, alétheia, é, como em Martin Heidegger, a verdade em Ortega y Gasset. Esse descobrir tem a ver com a nudez e com a solidão, com o desmascaramento e a retirada das cascas de usos da sociedade sobre o eu-circunstância. Esse indivíduo que se descobre a si mesmo, que se põe a nu é homem-autêntico, aquele que faz a crítica da vida convencional e, muito especialmente, a crítica de sua própria vida, levando sua vida ao “tribunal da vida autêntica, da sua inexorável solidão.”

De uma certa maneira, o filósofo usa máscaras que o retiram da praça pública, do palco do senso comum, para um palco privado onde ele, ao falar sobre si mesmo, desnuda-se, ensimesmado, mais verdadeiro. Assim, Ortega y Gasset define seu projeto de concepção de uma Sociologia radical: “estamos citando diante desse tribunal, que é a realidade da autêntica vida humana, todas as coisas que se costumam chamar sociais.” A reciprocidade é o primeiro fato que se pode chamar de social, já que não se pode se ser recíproco com uma pedra ou um animal, a condição da sociedade é a reciprocidade humana, porque o outro é como “eu” em certos caracteres gerais. Por isso, para Ortega y Gasset, falar de um homem fora de uma sociedade é impossível, porque o homem, embora seja solidão, não aparece na solidão: o homem aparece na sociabilidade com o outro, aparecimento que pode ser autêntico ou inautêntico (minoria ou massa). O nosso viver é na verdade um conviver, um viver com os outros, numa não-alteridade (posição defendida por Bubber ou Levinas), mas numa nostridade (de nós). Decorrem, no entanto, algumas questões importantes, desse dado primeiro e que se referem a como vivemos nossa autenticidade:

“Como esse mundo humano ocupa o primeiro termo na perspectiva do meu mundo, vejo todo o resto deste, e a minha vida e a mim mesmo, através dos Outros, d'Eles. E como eles, em torno de mim, não cessam de atuar manipulando as coisas e, sobretudo, falando, isto é, operando sobre elas, eu projeto na realidade radical da minha vida tudo quanto eu os vejo fazerem e os ouço dizerem – com o que aquela minha realidade radical, tão minha e somente minha, fica coberta, aos meus próprios olhos, com uma crosta formada pelo recebido dos outros homens, por suas habilidades e dizeres, e me habituo a viver normalmente de um mundo presuntivo ou verossímel, criado por eles, mundo que costumo dar, sem mais nada, por autêntico e que considero como a realidade mesma.”

Nossa relação social é constitutivamente perigosa, afinal o tu não pode ser visto apenas de maneira positiva, mas também negativa, o que ocasiona também luta e choque próprios da sociedade. Nessa tensão com os outros tus, o eu também vai se constituindo, de tal maneira que “o teu talento matemático revela que eu não o tenho”69 e vice-versa. É num mundo de tus que se vai modelando o eu, o que sou e o eu se descobre como um dos tantos tus, embora distinto deles no que sabe fazer, no que tem ou não tem. São caracteres que desenham o autêntico e concreto perfil de mim mesmo, como um “alter tu”. Daí Ortega y Gasset achar necessário “virar do avesso” a teoria de Edmund Husserl de que o tu seria um alter ego. O ego é que nasce de um alter tu, embora “não na vida como realidade radical e radical solidão, mas nesse plano de realidade segunda que é a convivência.”

Conforme Ortega y Gasset, num ou outro grau se vive uma dupla vida, cada uma delas com sua ótica e perspectivas próprias. Observando-se ao redor pode-se perceber, diz o autor, que o mesmo acontece aos outros, mas em cada um em doses diferentes: “Há quem não viva quase nada, senão a pseudo-vida da convencionalidade, e há, em compensação, casos extremos em que entrevejo o Outro energicamente fiel a sua autenticidade. Entre ambos os polos aparecem todas as equações intermédias, pois que se trata de uma equação entre o convencional e o autêntico que em cada um de nós tem cifra diferente (...) Conste porém, que até mesmo no caso de máxima autenticidade o indivíduo humano vive a maior porção de sua vida no pseudo-viver da convensionalidade circundante ou social (...) ese mundo que me é humanizado pelos outros não é meu autêntico mundo, não tem uma realidade inquestionável; é somente mais ou menos verossímil, ilusório em muitas de suas partes e me impõe o dever, não ético, mas vital, de submetê-lo periodicamente a depurações, a fim de que as suas coisas fiquem postas no seu ponto, cada uma com o coeficiente de realidade e de irrealidade que lhe corresponde. Esta técnica de depuração inexorável é a filosofia.”

A conclusão a que o próprio Ortega y Gasset chega, em O homem e a gente, é que em sociedade, no conviver com o mundo dos outros, não vivemos, mas “pseudo-vivemos”. Para o autor, a expressão tradicional de que o homem é um animal sociável é um obstáculo para a constituição de uma firme sociologia. No sentido tradicional, entende-se como um animal sociável, um animal político. Daí a tendência equivocada, segundo Ortega y Gasset, de se interpretar de maneira otimista as palavras “social” e “sociedade”. Toda a sociedade seria, ao mesmo tempo, “dissociedade”, convivência de amigos, mas também de inimigos, para dizer depois que “como se vê, a sociologia rumo à qual dirigimos nossa proa é muito mais dramática que todas as precedentes.”72 Em “El círculo humano de lo social. La continuidad convivencia-sociedad en el pensamiento de Ortega y Gasset”, Guillermo Suárez Noriega lembra que o próprio dos usos não é simplesmente carecer de sentido, mas tê-lo perdido. Os usos tinham um sentido, como por exemplo, é o caso dos demorados cumprimentos rituais, mostrando uma disposição de paz por parte de envolvidos em disputas. O importante é que, envolto nos usos, o homem não cria e que, na filosofia orteguiana, não é possível conceber-se um sujeito de ação que não seja individual.

Os próprios usos, como tudo o mais, afinal, surgiram de uma ação pessoal, antes de passarem a ser sociais, por meio da exemplaridade, a relação interindividual em que a pessoa se sente atraída pela conduta de outra. Por isso, o uso tem, necessariamente, uma origem convencional, é uma convenção. O fato que torna possível a construção dos usos é a conduta exemplar de um ou uns transmitindo-o a outros dóceis. Os passos seguintes são o uso tornar-se “vigência” e, depois, “norma”, momento em que já está automatizado e desumanizado. O uso nasce de algo prévio chamado “pré-uso”, a ação individual, consciente e cheia de sentido, que afeta os demais através da convivência, num mecanismo de “exemplaridade-docilidade”. Para Noriega, “el aristocratismo orteguiano se convierte en la clave que permite articular convivencia y sociedad” e conclui que os dados etnológicos forçam a pensar que a sociedade nasce da atração que uns indivíduos exercem sobre os outros.

O comentador ainda vê outro aspecto importante nesta dinâmica - o entusiasmo como substrato psicológico. Este é a manifestação psicológica de um elemento estrutural da pessoa, sua autoteologia ou tendência à autoperfeição, chegando a uma posição um tanto próxima à vontade de potência, de Nietzsche, porém em um tom que lembra uma certa filosofia pré-socrática: “Em términos más orteguianos, en la tendencia de la vida humana, no a la simple pervivencia, sino a ser más.” No entanto, Noriega acha que, entre os escritos aristocráticos do Ortega y Gasset dos anos 20 e a teoria dos usos, há grandes diferenças. A principal delas é que a teoria dos usos supera “certo psicologismo” do primeiro Ortega y Gasset.

“Parece que Ortega se da cuenta de que no se puede menospreciar la fuerza de la rebelión y que los años y los avatares de su vida y su país – su circunstancia – le llevan a captar la insuficiencia de una visión excesivamente psicológica del 'hombre-masa' y de la interacción social en general. El poder de lo 'mostrenco social' frente a la vida personal estaba exigiendo un análisis más profundo y estructural que le diese consistencia. Si todo se redujese al seguimiento pasaría lo que Ortega denuncia al princípio de El hombre y la gente: la socciedad no sería una realidad irreductible, pues no pasaría de ser vida personal.”

Não basta a adesão íntima a afetar o eu profundo, autêntico. Para que a exemplaridade gere sociedade é necessário dar-se o fenômeno da “vigência”. Esta supõe a substituição da imitação pessoal por uma adoção de condutas e atitudes impessoais. Assim, os usos, conforme comenta Noriega, constituem a cristalização do influxo de alguns homens sobre outros para a realização de valores. Os usos, em Ortega y Gasset, exigem, para que se formem, o desaparecimento da convivência pessoal. O pré-uso, ou, como alerta Noriega, a “conduta ejemplar”, precisa sofrer uma radical transformação para se tornar uso. Essa transformação é a vigência, “que adviene de a la conducta ejemplar cuando a ella se adscribe un poder social que la colectiviza. Desde ese momento su actuación sobre los otros no responde al influjo personal del inventor sino que es reprodución de algo tomado ya como patrimonio comunal.”77 Os usos, no entanto, como lembra Noriega, não são o espírito objetivo de Hegel, mas pensamento e conduta humanos objetivados que, antes, foram fenômenos ativos de uma vida individual, de tal modo que os usos não têm condição substante, com movimento próprio, mas precisam ser referidas a vidas humanas efetivas.

[editar] O que é a sociologia?

Em O Homem e a Gente, obra em que Ortega y Gasset se propõe mostrar os fundamentos da sociologia, o filósofo se posiciona contrário à “crença” de que a sociedade é somente uma criação de indivíduos que, por causa de uma vontade deliberada, se reúnem em sociedade. “Se a sociedade não é mais do que uma associação, a sociedade não tem própria e autêntica realidade e não faz falta uma sociologia. Bastará estudar o indivíduo”.

Para tentar fundamentar a sociologia em base sólida, Ortega y Gasset começa dizendo que o social é um fato da vida humana, a vida de cada um, individual ou pessoal, e consiste no fato de que o “eu” se encontre tendo que existir em uma circunstância (o mundo), sem nenhuma segurança. Não sabemos se vamos existir no instante seguinte e, por isso, necessitamos estar sempre fazendo algo para assegurar esta existência, seja de forma material, seja mental. Nossa vida é o conjunto desses afazeres e ações. Importante é que, na concepção de Ortega y Gasset, de uma vida autônoma, só “é, pois, humano, no sentido estrito e primário, o que faço por mim mesmo e em vista de meus próprios fins ou, ou que é a mesma coisa, o fato humano é um fato sempre pessoal”79. Assim, essa vida humana que está em contato com outras na circunstância (o mundo) tem ações de um sujeito responsável por ela, um sujeito que faz o que faz para que tenha sentido para ele próprio, o que, por mais que o coloque no mundo, tem por essência a solidão. Mas o social, em Ortega y Gasset, está fundamentalmente ligado à idéia de usos, a qual abordaremos adiante, neste trabalho. Sobre este tema, diz Ortega y Gasset: “…a los usos se debe también que resolvamos con facilidad gran parte de nuestra conducta, que sea posible prever la conducta de los individuos, y que estos se vean obligados a estar a la altura de los tiempos”, em que Ortega y Gasset anuncia também um conceito positivo da sociedade como a forma de relação que faz possível o progresso e a história. “O fato social não é um comportamento de nossa vida humana como solidão; ao contrário, aparece enquanto estamos em relação com os outros homens. Não é, pois, vida humana no sentido estrito e primário.”

Além desses fatos sociais, alheios ao sujeito, há fatos de convivência, de outra índole, de companhia ou comunicação. No entanto, muitos desses fatos de convivência não têm suas origens em nós. Somos apenas os seus executores. Seria necessário se perguntar sobre quem é o sujeito originário do qual provêm esas ações, para saber por que motivo damos a mão em um cumprimento, por que razão vamos ao cinema ver determinado filme, quem faz o guarda deter nosso passo. O sujeito que faz tudo isso acontecer - a causa desses fatos - não é o homem, o sujeito, não é o guarda, não é aquele que estende a mão ao amigo, mas, a “gente”, os demais, a coletividade, a sociedade, o que, ao mesmo tempo significa “ninguém determinado”.

Usos são ações de um sujeito indeterminado, impessoal, ao mesmo tempo todos e ninguém, feitas por seres humanos concretos mas irredutíveis à vida humana individual, que só as executa. São usos, formas de comportamento humano que o indivíduo adota porque necessita, porque, em sociedade, não tem outro remédio, impostos pelos demais, pela sociedade. Imposições mecânicas, os usos são ações que executamos em virtude da pressão social. Por isso, Ortega y Gasset os considera irracionais, já que seu conteúdo não é autônomo, mas heterônomo. Usos são, ainda, impessoais e extra-individuais.

Ao seguirmos os usos, temos um comportamento de autômatos, heterônomos, mandados não por nós, mas pela sociedade ou coletividade. Ocorre que a sociedade não é vida humana. É sobre-humana, intermediária entre a natureza e o homem, uma quase natureza brutal, mecânica. Como, para Ortega y Gasset, não há uma alma coletiva - nem mesmo como uma figura de linguagem - a sociedade é a “grande desalmada”, pois é o humano naturalizado, mecanizado e até mineralizado. Os usos produzem no indivíduo três tipos de efeito. 1. “São pautas do comportamento que nos permitem prever a conduta dos indivíduos que não conhecemos (...) os usos nos permitem a quase convivência com o desconhecido, com o estranho”. 2. “Ao impor, por pressão, um determinado repertório de ações - de idéias, de normas, de técnicas – obrigam o indivíduo a viver à altura dos tempos e injetam nele, queira ou não, a herança acumulada do passado. (...) A sociedade entesoura o passado”. 3. Ao automatizarem uma boa parte da conduta da pessoa “e dar-lhe resolvido o programa de quase tudo que tem que fazer, permitem que essa pessoa concentre sua vida individual, criadora e verdadeiramente humana, em certas direções, o que de outro modo seria impossível ao indivíduo”81. Isso, em tese, porque acontece que, apesar dessas possibilidades que a sociedade nos abre, há um tipo de homem que vive heteronomamente na e da sociedade. Esses, os homens-massa, não são herdeiros do passado acumulado e não aproveitam o acumulado para uma vida criadora e humana. Por viverem nessa subnatureza, os homens-massa não têm uma vida ensimesmada, voltada para o seu repertório pessoal no fundo de sua solidão. Vivem nos usos, quase como os animais. Esses não regem sua existência, não vivem a partir de si próprios, mas atentos apenas ao que se passa fora deles. Ao invés do olhar ensimesmado, para dentro, solitário, introspectivo, autônomo, está o olhar alterado, para fora, voltado ao comum, ao outro.

A vida do homem-massa é, por isso, uma vida desalmada. O mundo ao redor dele é pura exterioridade, o absoluto fora, que não consente nenhum fora para além dele a não ser a intimidade do homem, o si mesmo, constituído, principalmente por idéias ao invés de usos. Mas o homem-massa, assim como o animal com a atenção totalmente presa pelos objetos se mexendo à sua frente, não pode ensimesmar-se – vive em pura alteração. Ocorre, ainda, que esse ensimesmar-se é facultado ao homem mas não dado como o instinto aos animais: ele precisa escolher, ele próprio tem que fazer isso para si: “Por isso, se o homem goza desse privilégio de liberar-se transitoriamente das coisas e de poder entrar e descansar em si mesmo, é porque, com seu esforço, seu trabalho e suas idéias, conseguiu reoperar sobre as coisas, transformá-las e criar em seu redor uma margem de segurança sempre limitada, mas sempre ou quase sempre um aumento. Esta criação especificamente humana é a técnica. Graças a ela, e na medida de seu progresso, o homem pode ensimesmar-se. Mas também vive-versa, o homem é técnico, é capaz de modificar seu contorno no sentido de sua conveniência, porque aproveitou todo alento que as coisas lhe deixavam para ensimesmar-se, para entrar dentro de si e forjar para si idéias sobre esse mundo, sobre essas coisas e sobre sua relação com elas, para forjar um plano de ataque às circunstâncias; em suma, para construir-se um mundo interior. Desse mundo interior emerge e volta ao de fora. Mas volta na qualidade de protagonista, volta com um si mesmo que antes não tinha – com seu plano de campanha – não para deixar-se dominar pelas coisas, mas antes para governá-las, para lhes impor sua vontade e seu desígnio (...) para modelar o planeta segundo as preferências de sua intimidade.” Importante é que essas possibilidades são aproveitadas de maneira diferente por distintos tipos de homem. O autêntico é capaz de usar os recursos da técnica para não mais olhar somente para a natureza ao redor, mas para ensimesmar-se, voltar para suas próprias idéias e, munido dessas, voltar-se para o mundo de maneira autônoma. O homem-massa, ao contrário, simplesmente não consegue ensimesmar-se. O mundo social o chama demais e ele não tem condições de aproveitar a técnica para livrar-se do pesadume do mundo. Ao contrário, a técnica o leva ainda mais para fora de si, enche o mundo de mais atrativos que o deslocam de entrar em contato com sua solidão radical, constitutiva de seu ser como humano. Vive uma vida desalmada ou desanimada, sem “anima”, alma em latim.

[editar] Vida e pensamento para a ação: a práxis vital

Ortega y Gasset afirma que há três momentos históricos que ciclicamente se repetem: 1. O homem perdido, náufrago (alteração). 2. Com enérgico esforço,o homem se recolhe à sua intimidade para formar idéias sobre as coisas (ensimesmamento) e 3. O homem torna a submergir no mundo para atuar nele conforme o que havia preconcebido (ação, vida ativa, práxis). Por isso, o destino do homem (autêntico), conforme Ortega y Gasset, é ação. A vida do homem não é apenas pensar, mas pensar para agir de forma qualificada. E não se trata de um pensamento descolado da vida. Pelo contrário: nasce dela, nasce da necessidade vital de o homem não querer viver náufrago, na alteração, como os animais. Porém, para sair dessa alteração, é necessário esforço, já que nada na vida do homem é dado pronto. No homem, o pensamento se vem fazendo, fabricando pouco a pouco graças a uma disciplina, a um cultivo ou cultura, a um esforço de milênios. O homem-massa, preguiçoso existencial do alto dos tempos, simplesmente não participa mais desse cultivo. Para tal, necessitaria conseguir ensimesmar-se. E enquanto o tigre não pode destigrar-se, o homem, sim, pode desumanizar-se: alterar-se, viver de forma desanimada.

“Ao homem, sucede, às vezes, nada menos que não ser homem. E isto é verdade, não só em abstrato e em gênero, mas é válido referindo-se à nossa individualidade. Cada um está sempre em perigo de não ser ele mesmo, único e intransferível que é. A maior parte atraiçoa continuamente esse ele-mesmo que está esperando ser.”

Este homem, a quem acontece não ser homem, é pura alteração, pura heteronomia, pura exterioridade. Vive os usos da sociedade, vive num sistema de crenças, entre elas algumas que circulam muito, depois dos avanços da técnica: a de que a humanidade, este ente abstrato, progride, e progride necessariamente. Tal idéia, na opinião de Ortega y Gasset, acabou, no europeu e no americano, com a sensação radical de risco que é a substância do homem. Se a humanidade progride inevitavelmente, se não há necessidade alguma de esforço, podemos despreocupar-nos, irresponsabilizar-nos, virar homens-massa. Não há mais drama e a história, assim, não passa de “uma tranqüila viagem turística organizada por qualquer agência”. O mau uso da técnica é essa agência de turismo. O problema é que a substância do homem segue a mesma, por baixo da técnica: perigo. O homem caminha sempre entre precipícios, só que agora ainda mais sem reflexão, sem ensimesmamento:

“Fala-se somente de ação. Os demagogos (...) fustigam os homens para que não reflitam, procuram mantê-los enfeixados em multidões para que não possam reconstruir a sua pessoa onde unicamente se reconstrói, que é na solidão (...) é claro que, como o homem que é o animal que conseguiu meter-se dentro de si, quando o homem se põe fora de si é que aspira a descer, e recai na animalidade. Tal é a cena, sempre idêntica, na época em que se diviniza a pura ação. O espaço se povoa de crimes. Perde valor, perde preço a vida dos homens e se praticam todas as formas da violência e a espoliação.” Para dar conta do que é a sociedade, é preciso pensar, também, segundo Ortega y Gasset, o que é o mundo, essa sua circunstância constitutiva dele. Para Ortega y Gasset, Mundo é o emaranhado de assuntos ou importâncias em que o homem está, queira ou não queira, enredado. A vida é a realidade radical e é nela que transcorre o mundo, e não o contrário. E o mundo ocorre sempre num sistema de importâncias, assuntos ou prágmatas (no mundo nos encontramos com coisas). As coisas, no entanto, não nos são apresentadas, mas co-apresentadas, nos são copresentes e, a cada uma, ou um punhado delas, de cada vez, mesmo que tenha, por trás, uma série de outras coisas que deixamos de focar quando elas nos chegam. “O mundo vital se compõe de umas poucas coisas no momento presentes e de inumeráveis coisas, no momento latentes, ocultas, coisas que não estão à vista mas que sabemos ou cremos saber (...) não nos é presente nunca uma coisa sozinha, mas, ao contrário: vemos sempre uma coisa destacando-se sobre outras em que não prestamos atenção, e que formam um fundo sobre o qual se destaca o que vemos.”

[editar] Bibliografia utilizada

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Outras línguas


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