António Botto
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António Tomás Botto (Concavada, Abrantes, 17 de Agosto de 1897 — Rio de Janeiro, 16 de Março de 1959) foi um poeta português.
A sua obra mais conhecida, e também a mais polémica, é o livro de poesia Canções que, pelo seu carácter abertamente homossexual, causou grande agitação nos meios religiosamente conservadores da época. Foi amigo pessoal de Fernando Pessoa que traduziu em 1930 as suas Canções para inglês, e com quem colaborou numa Antologia de Poemas Portugueses Modernos. Homossexual assumido (apesar de ser casado com Carminda Silva), a sua obra reflete muito da sua orientação sexual e no seu conjunto será, provavelmente, o mais distinto conjunto de poesia homoerótica de língua portuguesa. Morreu atropelado em 1959 no Brasil, para onde se tinha exilado para fugir às perseguições homófobas de que foi vítima, na mais dolorosa miséria. Os seus restos mortais foram trasladados para o cemitério do Alto de São João, em Lisboa, em 1966.
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[editar] Vida
[editar] Os primeiros anos
António Botto nasceu em Concavada, freguesia do concelho de Abrantes, Portugal, às 8h00[1], filho de Maria Pires Agudo e de Francisco Thomaz Botto. O seu pai trabalhava como "marítimo" no rio Tejo. Em 1908 a sua família mudou-se para o bairro de Alfama em Lisboa, onde cresceu no ambiente popular e típico desse bairro, que muito influenciou a sua obra. Recebeu pouca educação formal e trabalhou em livrarias, onde travou conhecimento com muitas das personalidades literárias da época, e foi funcionário público. Em 1924-25 trabalhou em Santo António do Zaire e Luanda, na então colónia de Angola.
[editar] Personalidade
António Botto tinha uma forte personalidade. Descrevem-no como magro, de estatura média, um dandy, de rosto oval, a boca muito pequena de lábios finos, os olhos amendoados, estranhos, inquisitivos e irónicos (de onde por vezes irrompia uma expressão pertubadoramente maliciosa) frequentemente ocultados sob um chapéu de abas largas [2].
Tinha um sentido de humor sardónico, incisivo, uma mente e língua perversos e irreverentes, e era um conversador brilhante e inteligente. Era amigo do seu amigo, mas ferozmente ruim se sentia que alguém antipatizava com ele ou não o tratava com a admiração incondicional que ele julgava merecer. Este seu feitio criou-lhe um grande número de inimigos. Alguns dos seus contemporâneos consideravam-no frívolo, mercurial, mundano, inculto, vingativo, mitómano, maldizente e, sobretudo, terrivelmente narcisista a ponto de ser megalómano[3].
Era visitante regular dos bairros boémios de Lisboa e das docas marítimas onde desfrutava a companhia dos marinheiros, tantas vezes tema da sua poesia. Apesar de ser sobretudo homossexual, António Botto foi casado até ao final da sua vida com Carminda Silva Rodrigues ("O casamento convém a todo homem belo e decadente", como escreveu[4]).
[editar] Despedido
Em 9 de Novembro de 1942[5] António Botto foi demitido do seu emprego na função pública (escriturário de primeira-classe do Arquivo Geral de Identificação) por:
"a) ter desacatado uma ordem verbal de transferência dada pelo primeiro oficial investido ao tempo em funções de director, por impedimento do efectivo;
b) não manter na repartição a devida compostura e aprumo, dirigindo galanteios e frases de sentido equívoco a um seu colega, denunciando tendências condenadas pela moral social;
c) fazer versos e recitá-los durante as horas regulamentares do funcionamento da repartição, prejudicando assim não só o rendimento dos serviços mas a sua própria disciplina interna."
Ao ler o anúncio publicado no Diário do Governo, Botto ficou profundamente desmoralizado e comentou com ironia: "Sou o único homossexual reconhecido no País..."
Para se sustentar passou a escrever artigos, colunas e crítica literária em jornais, e publicou vários livros, entre os quais "Os Contos de António Botto" e "O Livro das Crianças", uma colecção de sucesso de contos para crianças (que seria oficialmente aprovada como leitura escolar na Irlanda, sob o título The Children’s Book, traduzido por Alice Lawrence Oram). Mas tudo isto se revelou insuficiente. A sua saúde deteriou-se devido a sífilis terciária que ele recusava tratar e o brilho da sua poesia começou a desvanecer-se. Era alvo de troça quando entrava nos cafés, livrarias e teatros. Por fim, cansou-se de viver em Portugal e em 1947 decidiu emigrar para o Brasil. Para juntar dinheiro para a viagem[6] organizou, em Maio desse ano, recitais de poesia em Lisboa e no Porto, que resultaram em grandes sucessos, com elogios por parte de vários intelectuais e artistas, entre os quais Amália Rodrigues, João Villaret e o escritor Aquilino Ribeiro. A 17 de Agosto partiu finalmente para o Brasil com a sua mulher.
[editar] Últimos anos
No Brasil residiu em São Paulo até 1951 quando se mudou para a cidade do Rio de Janeiro. Sobreviveu escrevendo artigos e colunas em jornais Portugueses e Brasileiros, participando em programas de rádio e organizando récitas de poesia em teatros, associações, clubes e, por fim, botequins.
A sua vida foi-se degradando de dia para dia e acabou por viver na mais profunda miséria. A sua megalomania agravada pela sifílis era gritante e não parava de contar histórias delirantes das visitas que André Gide lhe teria feito em Lisboa ("Se não foi o Gide, então foi o Marcel Proust..."), de ser o maior poeta vivo e de ser o dono de São Paulo. Em 1954 pediu para ser repatriado, mas desistiu por falta de dinheiro para a viagem. Em 1956 ficou gravemente doente e foi hospitalizado por algum tempo.
Em 4 de Março de 1959, ao atravessar a Avenida Copacabana, no Rio de Janeiro, foi atropelado por um automóvel do governo.[7] Cerca das 17h00 de 16 de Março de 1959, no Hospital da Beneficiência Portuguesa, Botto, mal barbeado e pobremente vestido, expira, abraçado pela sua inconsolável mulher, que o chora perdidamente.[8]
Em 1966 os seus restos mortais foram trasladados para Lisboa e, desde 11 de Novembro do mesmo ano, estão depositados no Cemitério do Alto de São João.
O seu espólio será enviado do Brasil pela sua viúva Carminda Rodrigues a um parente, que o doará, em 1989, à Biblioteca Nacional.
[editar] A obra poética
"A vasta obra poética de Botto, em parte ainda dispersa ou não-recoligida, apesar de e também pelo muito que ele publicou, republicou, reorganizou em volumes dispersos ou suprimia de volumes anteriores, etc., poderá repartir-se em quatro fases: a juvenil, em que continua o tom da quadra dita popular, conjugando-o com aspectos da dicção simbolista que poetas como Correia de Oliveira, Augusto Gil, e sobretudo Lopes Vieira haviam introduzido nela; a simbolistico-esteticista, em que a juvenilidade tradicionalizante se literaliza dos requebros esteticísticos que marcaram, nos anos 20, muita poesia simultâneamente da tradição saudosista e modernista (é a das primeiras edições das Canções e breves plaquetes seguintes, em que todavia a personalidade do poeta já figura inteira em diversos poemas); a fase pessoal e original, nos anos 30, desde as edições de 1930-32 das Canções (em que ele ia encorporando selecções de colectâneas anteriores) até a Vida Que Te Dei e Os Sonetos (fase que é também a dos seus excepcionais contos infantis que tiveram realmente as edições estrangeiras que se julgava ser uma das mentiras megalomaníacas do poeta, da «novela dramática» António, e da peça Alfama); e a última fase, nos anos 40 e 50, até à morte que é a de uma longa e triste decadência, com poemas desvairadamente oportunistas, revisões desastrosas afectando nas reedições alguns dos melhores poemas anteriores [...]" em Líricas Portuguesas, de Jorge de Sena.
A tempestade desencadeada por Canções e por "Sodoma Divinizada", bem como por outras obras e artigos que apareciam nas livrarias e jornais da época de que importa destacar "Decadência" de Judite Teixeira, foi tremenda, e a Federação Académica de Lisboa, tendo como porta-voz Pedro Teotónio Pereira, denuncia no jornal "A Época", em Fevereiro de 1923, a "vergonhosíssima desmoralização, que sob os mais repugnantes aspectos, alastra constantemente".
A Federação Académica de Lisboa estaria com grande probabilidade apenas a servir de face pública das vontades do poder instituído da época porque pouco depois, em Março, é ordenada pelo Governo Civil de Lisboa a apreensão dos já mencionados livros de Botto, Raul Leal e Judite Teixeira.
Fernando Pessoa e Álvaro de Campos protestam contra o ataque dos estudantes a Raul Leal: "Ó meninos: estudem, divirtam-se e calem-se. (...) Divirtam-se com mulheres, se gostam de mulheres; divirtam-se de outra maneira, se preferem outra. Tudo está certo, porque não passa do corpo de quem se diverte. Mas quanto ao resto, calem-se. Calem-se o mais silenciosamente possível". Mas com pouco efeito. O impulso censório, moralista, obscurantista e homofóbico, ganha força com o regime do Estado Novo e a revista "Ordem Nova" declara-se "antimoderna, antiliberal, antidemocrática, antibolchevista e antiburguesa; contra-revolucionária; reaccionária; católica, apostólica e romana; monárquica; intolerante e intransigente; insolidária com escritores, jornalistas e quaisquer profissionais das letras, das artes e da informação". António Botto acaba por se ver forçado a emigrar para o Brasil e Raul Leal será vitíma de espancamentos e deixará de escrever para jornais durante 23 anos.
[editar] Obras
- Poesia
- Trovas (1917)
- Cantigas de Saudade (1918)
- Cantares (1919)
- Canções (várias edições, revistas e acrescentadas pelo autor, entre 1921 e 1932)
- Canções do Sul
- Motivos de Beleza (1923)
- Curiosidades Estéticas (1924)
- Pequenas Esculturas (1925)
- Olimpíadas (1927)
- Dandismo (1928)
- Ciúme (1934)
- Baionetas da Morte (1936)
- A Vida Que te Dei (1938)
- Sonetos (1938)
- O Livro do Povo (1944)
- Ódio e Amor (1947)
- Fátima - Poema do Mundo (1955)
- Ainda Não se Escreveu (1959)
- Ficção
- António (1933)
- Isto Sucedeu Assim (1940)
- Os Contos de António Botto (1942) - literatura infantil
- Ele Que Diga Se Eu Minto (1945)
- Teatro
- Alfama (1933)
Esgotada desde há muitos anos, a obra completa de António Botto começou a ser reeditada, em 2008, pelas Quasi Edições (Lisboa), a cargo do crítico literário e escritor Eduardo Pitta.
[editar] Homenagens
- Prémio António Botto
Prémio atribuído pela Câmara Municipal de Abrantes a autores de literatura infantil.
- Obras premiadas
- 1996 António Mota com "A Casa das Bengalas"
- 1997 Manuel Alegre com "As Naus de Verde Pinho"
- 1998 Manuela Bacelar com "A Borboleta Leta"
Em 1938 é publicado no Porto o ensaio António Botto e o Amor da autoria de José Régio, considerado como uma arrojada análise psico-poética do poeta das Canções.
Em 1938 envia a António Botto alguns dos seus poemas solicitando um encontro, onde ouve falar pela primeira vez de Fernando Pessoa, que será marcante para a sua obra. Em 1939, encorajado por António Botto publica Narciso, o seu primeiro poema.
[editar] Ver também
[editar] Notas e referências
- ↑ Registo de nascimento
- ↑ Simões, João Gaspar: Retratos de Poetas que Conheci, Brasília Editora, Porto, 1974.
- ↑ Almada Negreiros disse que Botto era uma "serpente" (Simões, p. 175).
- ↑ Curiosidades Estéticas, Canção VII
- ↑ Diário do Governo, II série, nº 262, 9 de Novembro de 1942, pp. 5794–96.
- ↑ Sabe-se hoje que o principal apoio financeiro veio do banqueiro Ricardo Espírito Santo, a pedido de Salazar, que se sentia muito incomodado com a situação desesperada do poeta. (Dacosta, Fernando: As Máscaras de Salazar, Lisboa, 2006.)
- ↑ João Gaspar Simões, em artigo por si publicado, refere que uma testemhunha teria visto Botto atirar-se para a frente do carro, pelo que um possível suicídio não é de descartar.
- ↑ Fotografia de Botto no seu leito de morte, publicada nos anos 80 pelo Jornal do Incrível de Roussado Pinto (Lisboa).
[editar] Bibliografia
Obs.: o trecho seguinte está "compactado" de modo a despoluir visualmente o contexto da página toda.
- Régio, José (pseud.); António Botto e o amor; Críticos e criticados (ensaio); Porto: Brasília Editora; 1978; 189p.
- Amaro, Luís; António Botto, 1897-1959 (concepção, recolha e notas de Luís Amaro); 1.ª ed. Lisboa: BN, 1999. 112 p.; ISBN 972-565-267-3
- Sales, António Augusto; António Botto: real e imaginário; Lisboa: Livros do Brasil; 1997. 248 p.; ISBN 972-38-1611-3
- Fernandes, Maria da Conceição: António Botto: um poeta de Lisboa, Lisboa: Minerva, 1998. 138 p.; ISBN 972-591-349-3
- Sena, Jorge: Líricas Portuguesas (selecção, prefácio e notas); Lisboa; Portugália, 1958.
- Pessoa, Fernando: António Botto e o Ideal Estético em Portugal; Contemporânea, nº 3, Julho-Setembro de 1922.
- Maia, Álvaro: Literatura de Sodoma - o Senhor Fernando Pessoa e o Ideal Estético em Portugal; Contemporânea, nº 4, Novembro de 1922.
- Leal, Raul: Sodoma Divinizada (Leves reflexões teometafísicas sobre um artigo); Fevereiro de 1923.
- Liga de Acção dos Estudantes de Lisboa: Manifesto dos Estudantes das Escolas Superiores de Lisboa; Março de 1923.
- Campos, Álvaro de (heterónimo de Fernando Pessoa): Aviso por Causa da Moral; Março de 1923.
- Leal, Raul: Uma Lição de Moral aos Estudantes de Lisboa e o Descaramento da Igreja Católica; Março de 1923.
- Pessoa, Fernando: Sobre um Manifesto dos Estudantes; Março de 1923.
- Régio, José: António Botto, Presença, nº 13, 13 de Junho de 1928.
- Simões, João Gaspar: António Botto e o problema da Sinceridade; Presença, nº 24, Janeiro de 1930.
- Régio, José: O poeta António Botto e o seu novo livro Ciúme, Diário de Lisboa, 21 de Julho de 1934.
- Colaço, Tomás Ribeiro: António Botto - um poeta que não existe, Fradique, 26 de Julho de 1934 (a polémica prossegue com José Régio até Março de 1935)
- Régio, José: António Botto e o Amor; 1938.
- Régio, José: Evocando um Poeta, Diário de Notícias; [19 de Setembro]] de 1957.
- Rodrigues, José Maria: A verdade sobre António Botto; Século Ilustrado, 21 de Março de 19?? (última entrevista a António Botto)
- Simões, João Gaspar: Vida e Obra de Fernando Pessoa; Lisboa, 1950.
- Simões, João Gaspar: Retratos de Poetas que Conheci; Brasília Editora, Porto, 1974
- Almeida, L.P. Moitinho de: Fernando Pessoa no cinquentenário da sua morte; Coimbra Editora, Coimbra, 1985.
- Cesariny, Mário: O Virgem Negra; Assírio e Alvim, Lisboa, 1989.
- Leal, Raul: Sodoma Divinizada (antologia de textos organizada por Aníbal Fernandes); Hiena Editora, Lisboa, 1989.
- Vários: António Botto, Cem Anos de Maldição (dossier sobre Botto organizado por vários autores na celebração do seu centésimo aniversário), JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, nº 699, 30 de Julho - 12 de Agosto de 1997, Lisboa.
[editar] Ligações externas
- Exposição Virtual António Botto no sítio da Biblioteca Municipal António Botto de Abrantes (excelente!)
- Fotos (pesquisar por "António Botto") Fotos do arquivo da Fundação Mário Soares, pouco conhecidas, normalmente com dedicatórias